Mikaelli Andrade

Mikaelli Andrade
Cachoeira Brejão/Coribe-Ba
”A água é o sangue da terra. Insubstituível. Nada é mais suave e ,no entanto , nada a ela resiste. Aquele que conhece seus princípios pode agir corretamente, Tomando-a como chave e exemplo. Quando a água é pura, o coração do povo é forte. Quando a água é suficiente,o coração do povo é tranquilo.” Filósofo Chinês no século 4 A.C

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"As preocupações ambientais contemporâneas originaram-se da percepção da pressão sobre os recursos naturais causadas pelo crescimento populacional e pela disseminação do modelo da sociedade de consumo"

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Quanto vale a natureza?

O agricultor Hélio de Lima, de 58 anos, é um homem de sorte. Em sua propriedade rural na cidade de Extrema, divisa entre os Estados de Minas Gerais e São Paulo, há dez nascentes. Quando as águas encontram os riachos vizinhos, ajudam a formar o rio da foto que abre esta reportagem. O gado nunca passou sede. Não falta à família água para se banhar nos fins de semana. Além disso, há um ano, Lima passou a lucrar diretamente com suas fontes. Em troca de preservá-las, ganha da prefeitura em torno de R$ 1.300 todo mês.
A explicação é que, depois de correr cerca de 100 quilômetros, a água que brota em suas terras desemboca no sistema Cantareira, em São Paulo, que abastece as torneiras de quase 9 milhões de pessoas todos os dias. O pequeno incentivo lá na fonte ajuda os moradores das regiões norte, central, leste e oeste da capital paulista, zonas abastecidas pela Cantareira, a beber água de qualidade, com menos produtos químicos. Deixo de criar umas 40 cabeças de gado por ano, diz Lima. Mas, se eu não fizer isso, o que o boi vai beber? Com o que a gente cozinha? Acabou a vida. Ganha Lima, porque recebe compensação por não usar a terra. Ganha o planeta, com a manutenção das florestas. Ganha quem mora em São Paulo, ao desfrutar água pura e sem cheiro.

A relação monetária entre Lima e a prefeitura de Extrema tem nome: pagamento por serviços ecológicos. Ele recompensa quem ajuda a sociedade a preservar seus recursos naturais. Não é só a água doce e limpa. É também a polinização dos insetos, sem a qual não existiria agricultura. Ou a regulação do clima, feita pela floresta que estoca carbono. Ou as drogas, cujos princípios ativos vêm da fauna e da flora. O declínio da biodiversidade leva à decadência econômica, afirma Luiz Fernando Merico, diretor da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) no Brasil, um organismo que reúne 1.200 organizações preservacionistas.

Não é nenhuma novidade que a natureza é a base da economia. Sempre foi até porque não há vida fora da natureza. Mas a abundância de recursos era tamanha que eles podiam ser considerados inesgotáveis, e portanto gratuitos. Em alguns casos, essa premissa se revelou ilusória, como na civilização da Ilha de Páscoa, no Pacífico, que ruiu quando a madeira acabou. Há um temor similar para alguns recursos de nossa civilização, como o petróleo, os peixes e até a água potável.

A demanda por recursos naturais é 35% maior que a capacidade do planeta de renová-los

É por isso que a economia tradicional começou a adotar as preocupações dos ambientalistas. A grande questão é estabelecer o valor dos recursos para saber quanto e como usá-los. Não é uma conta fácil. Em primeiro lugar, a natureza tem um valor subjetivo . Em segundo lugar, parte de seu valor é potencial um princípio ativo ainda não descoberto para curar uma doença, por exemplo. É impossível saber que impacto essa exploração teria no futuro.

Mesmo assim, a ciência já tenta atribuir preço aos recursos naturais. Faz isso de dois modos. O primeiro é pelo cálculo do lucro obtido com a preservação (a água limpa, o mercado de orgânicos que floresce da proteção à biodiversidade, os ganhos de eficiência nas empresas ou no reaproveitamento do lixo etc.). O segundo modo é calcular o prejuízo que a destruição dos recursos naturais acarreta o preço da dessalinização da água, os deslizamentos resultantes da derrubada de matas, o custo de alugar abelhas para polinizar a plantação quando as abelhas nativas são destruídas. Essa conta é complicada porque boa parte da depredação vai incidir somente sobre as próximas gerações, que não têm como dar palpite nas políticas atuais (mas em compensação contarão com tecnologias que ainda não foram inventadas).

O grande desafio é encontrar fórmulas para que quem explora os recursos naturais ajude a pagar a conta de sua manutenção, diz o economista americano Robert Costanza, da Universidade de Portland. É algo que alguns economistas visionários pregam há décadas. O professor americano Herman Daly é um dos pais dessa economia ecológica. Colocou o desenvolvimento sustentável em pauta nos anos 80 quando foi economista sênior do Banco Mundial. Hoje, como professor da Universidade de Maryland, diz acreditar que o crescimento da população demanda uma mudança na teoria econômica. Daly questiona o conceito do Produto Interno Bruto (PIB), que inclui apenas as riquezas materiais geradas. Acha que é necessário descontar desses ganhos os gastos com a poluição do ar, os resíduos, a destruição da floresta.

Os economistas brasileiros estão engajados nessa discussão, como mostra o livro O que os economistas pensam sobre sustentabilidade, do jornalista Ricardo Arnt. Hoje estamos internalizando a finitude da Terra, afirma Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento. O problema ambiental sempre existiu, só que era marginal. A restrição não era mandatória. Agora é, diz André Lara Resende, ex-presidente do BNDES e cocriador do Plano Real.

Esse tema se impôs como urgente porque o mundo já começa a sentir os reflexos da exploração inconsciente da natureza. Segundo o relatório A economia dos ecossistemas e da biodiversidade, divulgado neste ano pela ONU, mais de 60% dos serviços naturais do mundo foram degradados nos últimos 50 anos. De acordo com o estudo, a demanda atual por recursos naturais é 35% maior que a capacidade do planeta de renovar esses recursos e, a prosseguir o atual ritmo de crescimento da demanda, em 2030 estaríamos consumindo o dobro do que a Terra é capaz de repor naturalmente. O relatório, do economista indiano Pavan Sukhdev, é parte de uma série de cinco publicações que a ONU lança até a Conferência da Biodiversidade (COP-10), em Nagoya, Japão, em outubro, quando os principais governos do mundo vão tentar traçar metas para a biodiversidade.

Reverter dados tão abrangentes em valores monetários é uma tarefa complexa. Robert Costanza foi o primeiro a atribuir preços à natureza. Em 1997, ele estimou que a biodiversidade do mundo valia US$ 33 trilhões (algo como US$ 45 trilhões, no dinheiro de hoje). Todos nós já estamos pagando por essas perdas, diz. Mas ainda não exatamente em dinheiro. Outro relatório da ONU, de maio, estimou que as perdas anuais do desmatamento e da degradação florestal podem passar de US$ 4,5 trilhões. A conservação dessas áreas estaria garantida com um investimento de apenas US$ 45 bilhões um centésimo do total. Os números estão aí, mas são tão etéreos e distantes da realidade que poucos se preocupam com eles.

Extrema, a cidade do agricultor Lima, é um caso raro de investimento preventivo. A ideia surgiu em 2001, quando Paulo Pereira, do departamento de meio ambiente do município, se inspirou em um projeto da Agência Nacional das Águas para remunerar os donos de nascentes. O Código Florestal determina manter 30 metros de floresta nativa nos arredores das margens de rio, conhecidas como Área de Preservação Permanente (APP). Quando se trata de uma nascente, a lei manda preservar um raio de 50 metros de diâmetro. É raro quando isso acontece por vontade própria ou temor à fiscalização. E o mundo continua precisando de água. A solução encontrada por Extrema foi pagar os agricultores por esse serviço. É uma maneira de ganhar área de floresta e recompensar o produtor, afirma Pereira. Os fazendeiros ganham R$ 176 ao ano por hectare de área protegida. Em contrapartida, deixam de colocar ali o gado que lhes traria um lucro anual de cerca de R$ 120. Perdem de um lado para ganhar do outro. Em três anos, a prefeitura já fez 150 quilômetros de cerca, plantou 150 mil mudas de diferentes espécies e preservou 800 hectares (o equivalente a 1.100 campos de futebol). O recurso para isso tudo, em torno de R$ 1,5 milhão por ano, vem do governo de Minas Gerais, do próprio município e de outros parceiros. O maior beneficiado, no entanto, o Estado de São Paulo, ainda não contribui. O ideal seria que a própria concessionária de água de São Paulo entendesse esse mecanismo, diz Pereira. A tendência é partir para isso. Enquanto não acontece, fazemos nosso trabalho. Temos outros ganhos, com preservação da biodiversidade.

Revista Época

Leia o Artigo completo no:  Portal do Meio Ambiente

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